Ela ficou olhando seus punhos purpureando enquanto suas mãos
empalideciam. Aos poucos, seus olhos ficaram pesados e ela sentia vontade de
fechá-los, mas ainda conseguia resistir. Queria ver todas as etapas, todos os
passos, tudo que pudesse. Suas mãos tremiam. “Como é rápido!”, pensou.
Não, sua vida não passou em frente aos seus olhos em poucos
segundos. Ela não viu seu primeiro amor, sua primeira decepção, sua primeira
mentira, seu primeiro beijo ou sua primeira bebedeira. Ela mal se lembrou de
sua mais recente refeição, dos olhos mais lindos que já vira, do seu livro
preferido ou do maior amor que já sentira. Isso é coisa de filme. Na vida real,
esse momento é mais egoísta do que parece.
Enquanto o sangue escorre, lavando seus braços, pingando em suas pernas,
sua mente se esvazia. Ela não pensa em sua família, seu namorado, seus amigos,
suas histórias, suas emoções. Ela sequer pensa nos motivos que a fizeram chegar
a tomar essa atitude. Em sua mente não há espaço para qualquer reflexão. O
sangue quase negro verte de seus cortes, contrastando com a cor desbotada de
seu braço, e ela se surpreende com a quantidade do fluído.
Quando, enfim, se entrega às exigências de seus olhos e os fecha,
sente o corpo amolentar, como se estivesse muito cansada. Cansada da rotina,
cansada dos olhares, cansada das emoções, cansada das histórias, cansada da
vida. Agora não vê, mas ainda sente o sangue vazar com menor velocidade, e
imagina o chão sendo colorido de vermelho-escuro. Quase sorri ao imaginar como
será uma bela obra de arte, quando seu corpo inerte for retirado.
Aos poucos se entrega ao cansaço, ao frio, à eternidade. Não
acreditava antes em vida após a morte e não acredita agora. Não pensa que logo
descobrirá. Pensa apenas que sua dor acabou, seu sofrimento se foi, estão
espalhados no piso branco, deixando uma última contribuição ao mundo: uma obra
prima sanguínea.
Ela tinha seus motivos, suas preocupações, sua história e nunca a
compartilhou com seus conhecidos. Aqueles que a amavam não sabem seus
fundamentos, apenas seus fins. Ela não quis a saída mais rápida e não suportou
a espera pela mais prolongada. Ela preferiu a mais fácil. Duas linhas simples e
profundas, que tingiram de escarlate sua pele branca. Se agora ela está em paz,
apenas ela sabe. Esse foi seu objetivo. Esse foi seu fim.

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